Transmissão do estabelecimento e direito de oposição do trabalhador
Autor
Rita Meira
Departamento Relacionado
Direito do Trabalho
Publicação
Cameirão Advogados
A temática da sub-rogação legal da entidade empregadora tem vindo a ser amplamente debatida, sobretudo no âmbito doutrinal, a propósito do direito de oposição do trabalhador. Por um lado, o direito de transmissão do estabelecimento é inerente ao princípio da livre iniciativa económica, previsto no art. 61.º da Constituição, razão pela qual o trabalhador não se pode opor ao negócio em si mesmo. Por outro lado, os direitos e liberdades dos trabalhadores, também constitucionalmente consagrados, bem como os princípios e normas que regem a liberdade contratual, implicam que o trabalhador possa escolher com quem contratar, que é o mesmo que dizer, para quem trabalhar. Isto posto, e partindo da premissa de que o trabalhador não se pode opor à transmissão do estabelecimento em si mesma, cumpre analisar em que termos pode opor-se à transmissão do seu contrato de trabalho, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 14/2018, de 19 de março, que aprova a revisão do Código do Trabalho.
O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, previa, no art. 318.º, que, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral. Esta solução veio a ser acolhida no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, no art. 285.º, bem como na versão de 2012, aprovada pela Lei n.º 47/2012, de 29 de Agosto. A questão não é resolvida nem por um nem pelo outro diploma, permanecendo a dúvida se o trabalhador poderia apenas resolver o contrato com justa causa, recusando-se a trabalhar para o transmissário, ou se poderia, para além de se opor a trabalhar para o transmissário, optar por permanecer vinculado ao transmitente.
A Lei n.º 14/2018 vem dar resposta ao problema, consagrando, no aditado art. 286.º-A, o direito de oposição do trabalhador, nos seguintes termos: “O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.”. De acordo com este n.º 1 do referido normativo, o trabalhador pode opor-se à transmissão do seu contrato de trabalho numa de duas situações: ou porque a transmissão lhe pode causar prejuízo sério; ou porque a política de organização do trabalho do adquirente não lhe merece confiança.
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o direito de oposição deve ser exercido através de comunicação escrita dirigida ao empregador, mencionando a sua identificação, a atividade contratada e o fundamento da oposição.
O direito de oposição e o modo do seu exercício está, portanto, expressamente consagrado, podendo fundamentar-se em duas ordens de motivos. O “prejuízo sério” constitui uma realidade demonstrável e sindicável por terceiros, podendo ser apreciada judicialmente; já a “falta de confiança” trata-se de um sentimento ou convicção do trabalhador, insuscetível de prova e contraprova, ficando exclusivamente ao critério do trabalhador a opção por um ou por outro fundamento.
Questão pertinente é a de saber se seria necessária a concretização destes fundamentos pelo legislador, já que a liberdade de o trabalhador se opor à transmissão da posição contratual do empregador deriva automaticamente do princípio da liberdade contratual na sua dimensão mais básica. Se assim é nas relações privadas em geral, esta dimensão da liberdade contratual acentua-se necessariamente na relação laboral, uma vez que o trabalhador irá assumir uma posição de subordinação jurídica face ao empregador, o que releva ao nível da formação da vontade do trabalhador.
Ainda assim, esta solução legislativa merece elogio na medida em que, ao possibilitar ao trabalhador opor-se à transmissão do contrato com fundamento na falta de confiança no transmissário (com o qual não celebrou nenhum contrato), reconhece a existência e dignidade daquele enquanto pessoa, e não como mero elemento do estabelecimento. O trabalhador passa a ser visto como um cidadão dotado de autonomia privada e liberdade contratual, e não como mero recurso empresarial.
Cumpre, ainda, analisar os efeitos do exercício do direito de oposição, que foram clarificados pelo legislador com a revisão do Código do Trabalho de 2018.
O n.º 2 do novo art. 286.º-A, que dispõe que “A oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente.”. A oposição do trabalhador implica, assim, a manutenção do contrato com o transmitente. Porém, esta norma deve ser interpretada em conjugação com as normas referentes à cessação do contrato de trabalho, nomeadamente nos casos em que seja impossível para o transmitente continuar a receber a prestação de trabalho, caso em que o contrato caduca caso seja exercido o direito em apreço.
Por outro lado, a Lei n.º 14/2018 passou a prever que a transmissão do estabelecimento nos termos do art. 285.º constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, caso em que o trabalhador terá direito a uma compensação calculada nos termos do art. 366.º.
Em suma, o trabalhador passa a poder opor-se à transmissão do estabelecimento, fundamentando em prejuízo sério ou falta de confiança na organização do transmissário, podendo optar pela manutenção do contrato com o transmitente, ou pela resolução com justa causa, sem prejuízo da aplicação das normas respeitantes à caducidade do contrato. Esta solução legislativa revela uma valorização da autonomia contratual e da dignidade e liberdade do trabalhador, razão pela qual estamos em crer que foi uma mudança positiva e garantística para o trabalhador.
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