Efeito da cessação do contrato de trabalho no direito a formação profissional
Autor
rita meira
Departamento Relacionado
direito do trabalho
Publicação
gabinete cameirão, advogados associados
O art. 134.º do Código do Trabalho determina que, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado (35 horas) ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação.
O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua (art. 131.º, n.º 2). Isto para os contratos por tempo indeterminado e para os contratos a termo de duração igual ou superior a três meses que subsistam no ano seguinte ao da contratação. Para os contratos a termo com duração igual ou superior a três meses que cessem no ano da contratação, o cálculo das horas de formação é proporcional. Quando os contratos tenham uma duração inferior a três meses, o trabalhador não adquire o direito à formação profissional.
Mas é também verdade que o empregador só é obrigado a assegurar formação contínua anual a 10% dos trabalhadores (art. 131.º, n.º 5), o que resulta, grande parte das vezes, na inexistência de formação profissional durante grande parte da vida do contrato de trabalho.
Se as horas de formação já vencidas não forem ministradas no ano do seu vencimento, podem sê-lo durante os dois anos seguintes, sob pena de se transformarem em crédito de horas (art. 132.º, n.º 1). O crédito de horas pode ser utilizado por iniciativa do trabalhador, mediante comunicação escrita ao empregador com a antecedência mínima de 10 dias (art. 132.º, n.º 3).
Sucede que, contrariamente aos restantes créditos laborais, o crédito de horas para formação que não seja utilizado “cessa” passados três anos sobre a sua constituição, ainda durante a execução do contrato de trabalho. Esta norma do n.º 6 do art. 132.º constitui uma exceção ao prazo de prescrição dos créditos laborais previsto no art. 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que é de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho.
Assim, nos termos da disposição do art. 134.º, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber as horas de formação já vencidas e não ministradas sobre as quais não decorreram ainda dois anos ou o crédito de horas que ainda não tenha “cessado” à data do fim do contrato.
Esta norma recorre a uma locução que permite pelo menos duas interpretações diferentes quanto ao seu sentido: a proposição “ou”. Parecem resultar desta norma duas soluções alternativas: ou o empregador paga as horas de formação já vencidas e não ministradas, não prescritas e não convertidas em crédito de horas; ou paga o crédito de horas para formação que o trabalhador seja titular à data da cessação.
Resta então saber qual o critério para a escolha do crédito a pagar.
Uma das soluções será o pagamento das horas de formação qua tale apenas quando o contrato termine sem que haja conversão dessas horas em crédito; quando haja conversão das horas de formação em crédito, só haverá lugar ao pagamento do crédito.
Uma vez que só há convolação das horas de formação em crédito volvidos dois anos sobre a data do seu vencimento, esta alternatividade só existe verdadeiramente quanto estivermos perante contratos com duração superior a 2 anos. Um contrato com duração inferior dará sempre lugar ao pagamento das horas de formação, uma vez que não há, ainda, a transformação em crédito. Quando o contrato durar 2 ou mais anos, só haverá lugar ao pagamento das horas de formação que já se convolaram em crédito.
Esta interpretação resulta, incontornavelmente, no seguinte: aquando da cessação de um contrato de trabalho que tenha durado mais de dois anos, o empregador terá sempre como limite o pagamento das horas de formação (convoladas em crédito) dos terceiro e segundo ano imediatamente anteriores à cessação do contrato. Ou seja, se temos um contrato com duração de 9 anos, por exemplo, o trabalhador não será compensado pelas horas de formação que adquiriu mas que não lhe foram ministradas no último ano de duração do contrato, porque estas horas não se transformaram em crédito.
Esta interpretação é, a nosso ver, demasiado restritiva e literalista, e não corresponde ao verdadeiro espirito da norma, que pretende assegurar, tão-só, que o empregador não seja obrigado a pagar os créditos que, por força do decurso do prazo de 3 anos, já “cessaram”.
No nosso entendimento, a interpretação mais aproximada ao espírito da norma impõe que, em caso de cessação de contrato de trabalho em que haja horas de formação profissional não ministrada pelo empregador, este deve liquidar não só as horas que já se transformaram em crédito (e não prescreveram) como ainda as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato, sobre as quais, em virtude da cessação, não decorreu tempo suficiente para a formação do crédito.
Vejamos um exemplo prático das duas interpretações:
1.ª interpretação: temos um contrato de janeiro de 2010 sem ter sido alguma vez ministrada formação profissional. O contrato cessa em fevereiro de 2017. De acordo com esta interpretação, na data da cessação do contrato, só teriam que ser pagos os créditos de horas referentes a 2013, 2014 e 2015.
2.ª interpretação: neste caso, devem ser pagas as horas vencidas entre 2013 e 2015 – já transformadas em crédito – bem como as horas vencidas em 2016 e 2017.
A nossa jurisprudência não se tem debruçado sobre esta matéria, sendo certo que seria importante haver clarificação da interpretação a dar à norma do art. 134.º do Código do Trabalho, uma vez que este é um problema com que as nossas empresas se deparam diariamente, e em relação ao qual não deveria haver, ainda, margem para duas interpretações que têm resultados tão distintos.
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