A REVOGAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS GERENTES E ADMINISTRADORES DAS SOCIEDADES NAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS
Autor
Daniela da Silva Ramalho
Departamento Relacionado
Direito Comercial, Societário e Prop. Intelectual
Publicação
JORNAL “VIDA ECONÓMICA” DE 02.01.2015
Breve análise do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2014.
A responsabilidade solidária dos agentes e administradores das sociedades no que toca às infracções tributárias encontrava-se prevista no n.º 7 do art. 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), que dispunha que “Quem colaborar dolosamente na prática de infracção tributária é solidariamente responsável pelas multas e coimas aplicadas pela prática da infracção, independentemente da sua responsabilidade pela infracção, quando for o caso.”. O n.º 7 do art. 8.º foi entretanto revogado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de Setembro, na sequência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho, que acolheu a decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional de 18 de Fevereiro de 2014, que julgou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma. Este Acórdão do STJ vem assim reformular a interpretação que foi firmada no seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 8 de Janeiro de 2014, e que considerava que o mesmo artigo não seria inconstitucional, por ser a responsabilidade solidária estabelecida de natureza civil e não de natureza criminal.
Para o Tribunal Constitucional o artigo colidia de forma directa com os princípios constitucionais da intransmissibilidade da responsabilidade penal, a qual operaria entre a pessoa colectiva e os seus gerentes ou administradores, bem como com o princípio do ne bis in idem, pois a mesma norma salientava que a responsabilidade do gerente ou administrador existiria “independentemente da sua responsabilidade pela infracção”.
Ora, não existe qualquer dúvida quanto à consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas enquanto regra no ordenamento jurídico-criminal português, sendo uma responsabilidade individual e imputável directamente à pessoa colectiva por crimes cometidos no seu exclusivo interesse. Não existem igualmente dúvidas de que em vários casos a lei portuguesa consagra subsidiriamente, e por vezes solidariamente, a responsabilidade dos gerentes e administradores pelo pagamento das multas aplicadas às pessoas colectivas, assumindo, todavia, essa responsabilidade natureza civil.
Ora, de acordo com a jurisprudência constitucional é precisamente a responsabilidade de natureza civil que se encontra prevista no n.º 1 do art. 8.º do RGIT, por contraposição à natureza penal da responsabilidade que se encontrava plasmada no entretanto revogado n.º 7 do mesmo artigo. A responsabilidade de natureza civil permite acautelar os casos em que a pessoa colectiva se fruste ao cumprimento da multa aplicada, através da dissipação do seu património operada pelos seus gerentes ou administradores, enquanto a responsabilidade penal implica uma verdadeira condenação por factos imputáveis a outra pessoa.
Não obstante o acolhimento da posição do Tribunal Constitucional, a verdade é que o STJ continua a refutar a argumentação utilizada, defendendo que desde logo na epígrafe do art. 8.º se identifica de forma clara que o mesmo regula a “responsabilidade civil pelas multas e coimas”. Continua assim a defender a interpretação anteriormente fixada de que o regime não pretendia transferir qualquer tipo de responsabilidade penal, na medida em que ao gerente ou administrador apenas se transmitiria a obrigação de pagar a multa, ficado sempre com a pessoa colectiva o desvalor jurídico-penal que fundamentou a aplicação da sanção criminal. O gerente ou administrador não seriam assim nunca condenados duas vezes, ou condenados em vez da pessoa colectiva, ao que acresce que no caso em que a pessoa singular fosse igualmente penalmente condenada, as duas penas subsistiriam lado a lado. Nos mesmos termos, continuaria a aplicar-se o direito de regresso para com a sociedade, bem como a irresponsabilidade da pessoa singular no caso de não dispor de património, o que assume ainda mais clareza, quando se compreende que a falta de pagamento nunca se poderia converter em prisão subsidiária.
Nestes termos, e não obstante a conclusão do Acórdão do STJ, bem como a revogação operada do normativo em causa, sempre convém salientar que a fundamentação do Supremo diferiu na sua globalidade da posição assumida pelo Tribunal Constitucional, o que não afecta obviamente o facto de tal responsabilidade ter sido afastada do RGIT.
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